Carta Aberta da Rede MangueMar para instituições e órgãos públicos responsáveis pelo monitoramento e fiscalização da costa potiguar, solicitando atenção e comprometimento acerca dos conflitos socioambientais vivenciados no litoral do RN.

por Oceânica

21/01/2020

Conservação

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A Rede MangueMar Brasil é uma articulação que envolve movimentos de pescadores/as, ONGs, pastorais sociais e pesquisadores/as que lutam pela sustentabilidade socioambiental da Zona Costeira Brasileira. No Rio Grande do Norte esta articulação vem se constituindo em reuniões realizadas no período de 2007-2016, e vem levantando questões preponderantes para manutenção da vida das comunidades litorâneas como também dos bens naturais como os rios, mangues e mar. Neste sentido, organizamos o I ERMMEL – Encontro da Rede MangueMar com o tema conflitos socioambientais das áreas Estuarinas e Litoral do RN, e convidamos a sociedade civil organizada, instituições e órgãos públicos responsáveis pelo monitoramento e fiscalização da Costa do Rio Grande do Norte a participar.
Esta Carta Aberta, referendada pelos integrantes da Rede MangueMar, documenta os conflitos socioambientais vivenciados na costa potiguar e discutidos no I ERMMEL. Tais conflitos decorrem do processo desordenado de urbanização e da implantação de grandes projetos econômicos que comprometem as condições de vida e trabalho das comunidades litorâneas, além de degradar bens naturais imprescindíveis para sociedade.
Seguem os conflitos socioambientais tratados durante o I ERMMEL:

Rio Potengi
A tragédia ambiental que ocorreu em 2007 no Rio Potengi com a mortandade de peixes ainda não foi julgada, nem as comunidades ribeirinhas ressarcidas pelas doenças adquiridas, pela destruição de sua fonte de renda e modo de vida. Além deste problema, não há fiscalização de dedetizadoras e também no período das chuvas o minério de ferro do depósito no porto escorre para as águas do rio. Todo o pescado para a venda na região está comprometido; a população ciente do problema deixa de comprar o pescado inviabilizando a geração de renda das famílias que dependem da pesca artesanal. É necessário que haja restauração do mangue, a indenização da classe trabalhadora da pesca artesanal e a formação dos “Amigos da Corte” para acompanhar o processo em andamento na Procuradoria Federal do Meio Ambiente. Foram ainda citados o descarte de óleo a noite pela manutenção de navios e indicada a necessidade de se inserir, no plano de Diretor de Natal, área de porto artesanal com delimitação de área especifica para as embarcações de pesca artesanal.

Carcinicultura
Esta atividade tem um impacto direto nas áreas estuarinas do RN e, historicamente, parte significativa de manguezal foi ocupada por fazendas de camarão, comprometendo tanto os ecossistemas como o modo de vida dos pescadores artesanais e comunidades ribeirinhas. Desta maneira solicita-se fiscalização emergencial das empresas atuantes no estado, a restauração do manguezal nas áreas descaracterizadas, a recuperação do direito público de ir e vir nos manguezais e a retirada dos viveiros de camarão instalados em manguezais.

Projeto de implantação de Esgotamento Sanitário em área de ZPA – Natal
As ZPAs em Natal apresentam falta de regulamentação, falta de fiscalização e vêm passando por um processo de ocupação desordenada crescente. Especificamente no caso da ZPA 8, a construção de Estações de Tratamento de Esgotos, na região de Guarapes e Salinas, precisa ser discutida publicamente, em várias audiências públicas, com a sociedade, em específico com os moradores da zona norte. Deve-se levar em consideração a importância histórica-cultural de ocupações indígenas na área. É necessário estudar tecnicamente se as áreas previstas para a implantação das estações apresentam condições adequadas (solos, topografia, vegetação, hidrografia, etc.), e discutir de forma ampla e integrada os impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais deste empreendimento na vida das populações ribeirinhas.

Rio Pirangi e área de influência (praia e mar)
Diante da urbanização desordenada com a construção de condomínios fechados, equipamentos de lazer e turismo, e crescimento populacional na área de abrangência do Rio Pirangi, inserida em Parnamirim e Nísia Floresta, faz-se necessário identificar e fiscalizar existência de cercas que impedem acesso das comunidades e a abertura clandestina de estradas vicinais para circulação de veículos motorizados, terraplenagem e fixação de piquetes para novos empreendimentos imobiliários. Tubulações (clandestinas?) construídas às margens do rio devem ser identificadas e fiscalizadas, o despejo de águas servidas diretamente no rio deve ser interrompido e a qualidade das águas ao longo da bacia monitorada. A área do manguezal que foi desmatada para implantação de viveiros (hoje desativados e abandonados) deve ser restaurada. Por fim, audiências públicas para discutir de forma participativa e integrada o uso e monitoramento do Rio Pirangi devem ser realizadas.

Litoral Setentrional
No litoral setentrional as bacias do Rio Apodi/Mossoró e Piranhas/Açu apresentam realidades semelhantes no que se refere aos problemas socioambientais relacionados ao uso e ocupação do espaço por empresas salineiras, agroindústrias, carcinicultura, parques eólicos como também a falta e precariedade de saneamento básico. Durante o I ERMMEL foram levantados os seguintes conflitos socioambientais:
(a) O comprometimento da sobrevivência das comunidades pesqueiras e ribeirinhas devido à poluição das águas do Piranhas/Açu, que ocorre diante do mau gerenciamento da bacia de saneamento básico da CAERN, localizada na Ilha de Santana em Macau. A poluição das águas vem comprometendo a qualidade dos mariscos e pescados, impedindo a venda e, portanto, a geração de renda das comunidades do litoral. A má qualidade da água lançada no rio comprometeu ainda a produção de ostras das marisqueiras;
(b) O crescimento urbano desordenado da região também compromete a qualidade das águas, diante do descarte indevido de resíduo sólido e líquido e com as construções de residências em área de mangue e margens do rio;
(c) Foi solicitada fiscalização das áreas da marinha, pela Capitania dos Portos, na região de Macau com o objetivo de ordenar a circulação das embarcações. A instalação de currais na barra tem dificultada a entrada e saída dos barcos de pesca artesanal;
(d) Especificamente em Macau, no bairro dos Navegantes, é solicitada a retirada da ponte (que se encontra desativada há mais de trinta anos) para acesso da população;
(e) O não reconhecimento do território da pesca das comunidades tradicionais e a importância do uso do seu espaço para vida (moradias), trabalho (acesso a locais de pesca artesanal), está sendo negado pelas empresas de energia eólica. Os parques eólicos estão sendo implantados sem qualquer relacionamento ou diálogo com as comunidades tradicionais, principalmente com os pescadores. As regiões atualmente mais afetadas são localizadas no município de Areia Branca (comunidades litorâneas de Ponta do Mel, Redonda, São Cristóvão e Morro Pintado), Macau (comunidades de Diogo Lopes e Sertãozinho) e Galinhos. O processo de instalação das torres vem sendo associado ao desmatamento de vegetação nativa, contenção das dunas móveis (feita por matéria morta em cima das dunas) compromete a dinâmica da região dunar, perdendo a identidade da paisagem com expressiva beleza cénica. Perde-se assim o potencial paisagístico e, portanto, o potencial turístico. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão as áreas de empréstimo de material para construção de vias de acesso às torres geraram piscinões de água, cujo rompimento colocam em risco as comunidades de Diogo Lopes e Sertãozinho.

Criação de Área Protegida Estadual nas Dunas do Rosado
Mais uma vez a comunidade litorânea indicou a necessidade da discussão local sobre a criação de área protegida estadual na região das Dunas do Rosado, processo iniciado há mais de uma década, mas que até agora não foi finalizado, apesar de ter sido construído um ECOPOSTO na área. Considera-se que a criação desta área protegida contribua na resolução de conflitos territoriais existente entre a FACENE e as comunidades de São Cristóvão, Morro Pintado e Redonda. Foi indicada a necessidade de destinação de técnicos para ocupar o ECOPOSTO e não simplesmente vigilância terceirizada, além da fiscalização do uso das dunas por veículos automotores. Sugeriu-se ainda a implantação de placas de sinalização informando ser proibida a circulação de veículos nas Dunas do Rosado. Em Ponta do Mel é também necessária a fiscalização do uso e ocupação do solo em áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente, com supressão de plantas nativas, processo que vem ocorrendo sem os devidos estudos técnicos de impactos ambientais ou contemplação no projeto orla e no plano diretor do Município de Areia Branca.

Ordenamento do espaço marinho da pesca artesanal x lazer e turismo
Especificamente no território da pesca artesanal, os pescadores e pescadoras vêm sofrendo pressão variada pela limitação de uso de espaços tradicionalmente usados há gerações. Por exemplo, veranistas pressionam que haja a retirada de seus ranchos na praia, espaços fundamentais para a pesca artesanal nos quais os petrechos de pesca são guardados e realizada sua manutenção. Verifica-se ainda conflitos entre pescadores artesanais com banhistas (que interferem na pesca) e embarcações de lazer (cortam redes, afugentam o cardume, etc.), realidade encontrada em todo o litoral potiguar.
Com relação à comunidade de Pirangi do Norte, banhistas muitas vezes tentam impedir que os pescadores e pescadoras lancem suas redes ao mar. Já as embarcações cortam as redes ou não respeitam as regras de distanciamento da praia, definidas com a Capitania dos Portos. Como não há fiscalização, as regras são burladas. Já em Canguaretama, na praia de Barra de Cunhaú, as práticas do stand up, kite surf e a pesca de arpão prejudicam sobremaneira o(a), pescador(a). Em Macau foi solicitada a fiscalização, por parte do IBAMA, das redes de pesca que são deixadas 24 horas dentro da água, ameaçando os estoques pesqueiros.

A saúde dos Pescadores e Pescadoras
A pesca artesanal é uma atividade intensa, realizada com intensa exposição ao sol por longas horas, em condições muitas vezes insalubres (como a pessoa ficar molhada por horas, na lama, etc.), o que tem um impacto direto na saúde dos pescadores e principalmente das pescadoras. Várias doenças do trabalho (lesão por esforço repetitivo, problemas de visão, coluna, pele, questões ginecológicas, etc.) não são reconhecidas pelo sistema básico de saúde (INSS). O Cadastro de Acidentes do Trabalhador – CAT e o Centro de Referência de Saúde do Trabalhador-CEREST não registram os acidentes que acontecem na atividade da pesca. O CEREST também não divulga aos pescadores e pescadoras os seus direitos e como acessá-los. Desta forma, são solicitados: (a) Equipamentos Pessoais de Segurança (EPIs); (b) o reconhecimento das doenças relativas ao trabalho da pesca pelo sistema básico de saúde; (c) orientação do CEREST aos pescadores e pescadoras sobre seus direitos e como acessá-los; (d) implantação do Dia do Pescador em postos de saúde, permitindo prioridade de atendimento a esta classe.
Diante do exposto, os participantes da Rede MangueMar e do I ERMMEL vêm a público exigir que as instituições e órgãos públicos abaixo elencados:

Façam os esclarecimentos necessários sobre os conflitos socioambientais descritos nesta carta aberta;

Construam alternativas sustentáveis que combatam a vulnerabilidade das populações litorâneas e dos bens naturais de ambientes marinhos e costeiros;

Atuem de maneira responsável, participativa e integrada entre eles e junto à sociedade.
Instituições e órgão públicos que receberão esta carta aberta:

Ministério Público Federal e Estadual

Ministério Público do Trabalho Estadual

Defensoria Pública Federal e Estadual

Secretaria do Patrimônio da União

Capitania dos Portos

IBAMA

IDEMA

Secretaria de Estadual de Recursos Hídricos e Meio Ambiente do RN

Secretarias Estadual e Municipais de Meio Ambiente, Urbanização, Saúde, Assistência Social e Educação

Assembleia Estadual do RN

CAERN
Parnamirim, 24 de março de 2017.
Assinam esta Carta Aberta integrantes da Rede MangueMar e participantes do I ERMMEL – Encontro da Rede MangueMar para discutir conflitos socioambientais das áreas Estuarinas e Litoral do RN abaixo elencados:

Arquidiocese de Natal

Articulação Nacional das Pescadoras – ANP

Associação das Marisqueiras de Diogo Lopes

Associação de Moradores da Praia de São Cristóvão – Areia Branca

Associação Mulheres

Associação Sebastião de Dunas do Rosado

Centro Pastoral de Parnamirim

Centro Pastoral de Parnamirim

Colônia de Pescadores Z-10 de Nísia Floresta

Colônia de Pescadores Z-2 de Touros

Colônia de Pescadores Z-4 de Natal

Colônia de Pescadores Z-41 de Macau

Colônia de Pescadores Z-5 de Maxaranguape

Colônia de Pescadores Z-56 de Parnamirim

Colônia de Pescadores Z-6 de Canguaretama

Colônia de Pescadores Z-7 de Guamaré

Comissão de justiça e Paz – CJP

Comitê da Bacia Hidrográfica do Apodi Mossoró

Conselho Municipal de Desenvolvimento de Guamaré

Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária

Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária de Guamaré

Conselho Nacional de Políticas Culturais

Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP

Conselho Pastoral dos Pescadores do Ceará – CPP/CE

Departamento de Biologia da Universidade Potiguar – UnP

Deputado Fernando Mineiro

Equipes de monitoramento dos rios/RN do Projeto “Observando os Rios” realizado pelo SOS Mata Atlântica

Escola Estadual Professor Severiano Bezerra de Melo

Fundação Parnamirim de Cultura

Igreja Católica Nossa Senhora dos Navegantes – Redinha

Instituto Casa d’água

Instituto Defender

Instituto Terramar

Movimento das Pescadoras e Pescadores – MPP

Museu Nísia Floresta

Oceânica – Pesquisa, Educação e Conservação

Abuzada (Associação de Moradores da Praia de Búzios/Nísia Floresta)

Professor da Universidade Federal do Ceará – UFCE

Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN

Professores dos Departamentos de Geografia, Direito Ambiental, Educação, além de alunos de Ecologia e Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

Professores e alunos da Escola Agrícola de Jundiaí – EAJ/UFRN

Professores e alunos do Departamento de Gestão Ambiental, Geografia e Biologia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN

Projeto Bioparque Natal

Projeto do Sertão ao Mar: turismo de base comunitária

Projeto Gamboa do Jaguaribe/Natal

Regional do Litoral Parnamirim

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão – RDS

Secretaria de Meio Ambiente de Galinhos

Secretaria de Pesca de Macau

Secretaria Municipal de Meio ambiente e Urbanismo – SEMURB/Natal

Serviço Arquidiocesano em Rede – SAR

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nísia Floresta

SOS Mangues

Superintendência do Patrimônio da União –SPU

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